Bem Dito

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#Resenhando1

Inauguro aqui o quadro resenhando, em que postaremos resenhas de obras edificantes e pertinentes.

Começo com um livro que trata do cristão na modernidade.

Livro: Icabode:Da mente de Cristo à consciência moderna 
Autor: Rubem Martins Amorese
Viçosa: Editora Ultimato, 1998.


RUBEM M. AMORESE é presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto -IPP em Brasília. É formado em Comunicação Social, pela UERJ e tem mestrado em Comunicação, pela Universidade de Brasília, e pós-graduação em Informática na Universidade Católica de Brasília. Amorese é autor de alguns livros, entre eles “Icabode:Da mente de Cristo à consciência moderna” e tem uma coluna na Revista Ultimato, chamada "Ponto Final”.


“Icabode” é um convite a reflexão sobre a modernidade e seus desdobramentos sobre a fé e a missão da igreja. É a grande tarefa que a igreja de Cristo terá que enfrentar, uma vez que a modernidade é uma ameaça à natureza e ao significado da própria igreja.
O grande desafio que a igreja tem pela frente é o de conseguir preservar o propósito original da aliança de Deus com o seu povo e o de continuar sendo a autêntica igreja de Cristo.
No continente Europeu, que foi o berço do cristianismo e na América do Norte, a modernidade tornou-se uma força devastadora do cristianismo. Todas as tentativas colocadas em prática com o propósito de atingir a igreja de Cristo nestes dois mil anos, tanto por parte dos imperadores que perseguiram a igreja, bem como diversas correntes heréticas que se levantaram na idade média,  não conseguiram atingi-la tão acintosamente como a modernidade.
 “Icabode” descreve o fenômeno da modernidade, que segundo Amorese é sustentada por um tripé: a secularização, a privatização e a pluralização. São algumas destas novas realidades que tem afetado as relações humanas e religiosas. O propósito deste livro é chamar a atenção da igreja para a compreensão e o discernimento de ações e reações que serão necessárias para a grande caminhada que teremos pela frente até chegarmos em definitivo a Canaã, a terra prometida. O que o povo de Deus precisa saber é que precisa ser e se comportar como povo de Deus em frente ao novo contexto, assim como Ele orientou seu povo na entrada de Canaã, Ele nos orienta neste mundo moderno frente às contradições trazidas pela secularização, privatização e pluralização.
Narrando a criação de uma cidade fictícia denominada “Cabo Verde”, o autor nos faz passear pelos diferentes momentos e transformações desde a criação de uma sociedade até ao advento da modernidade e suas implicações. Ele mostra como a modernização modificou o modo de pensar e escolher da população, o estilo de governo, a religião e até o modelo familiar. Esse movimento descrito por Rubem Amorese é o de transição entre o tradicional e o moderno. Assim como o povo de Israel, ao entrar em Canaã, o povo de Deus no advento da modernidade encontrou uma nova realidade que poderia modificar sua religião e costumes.
Todo esse movimento de transição ocorreu de forma lenta e gradual e através dos meios de comunicação a secularização, a privatização e a pluralização são amplamente difundidas, divulgadas e incansavelmente pregadas, literalmente. Até o modo de como educar as crianças é influenciado pela mídia e pelos profissionais especializados que surgiram neste movimento de transição. Os mais influenciados pela mídia são os jovens que assimilam tudo o que aprendem e apreendem e assim aplicam em suas vidas cotidianas, dessa forma todos os antigos valores são substituídos pela opinião pública que é formada a partir da ideia de que não há certezas e valores e sim opções. Então dessa forma não há escolhas certas ou erradas, apenas uma escolha que lhe favorece em determinado momento, essa a relativização da ética e da moral, isso é pluralização que é um conceito fortalecido pela privatização, ou seja, pelo individualismo, em que todos vivem como querem e arcam com as consequências do estilo de vida que levam. Na privatização de pensamento, por exemplo, há uma contradição interna em cada indivíduo que pensa de determinada forma em algum ambiente e pensa diferente em outro ambiente, tudo mundo conforme a situação. Acompanhando a pluralização e a privatização, temos a secularização que é o conjunto de todo que já falamos. Toda essa nova mentalidade passa pelo processo de secularização em que as instituições religiosas perderam relevância e influência na instrução o povo e quem ditam as regras são os meios seculares que, como já disse, pregam o relativismo.
O homem teve de se adaptar a este novo paradigma, em que os relacionamentos em sua maioria são superficiais, ou seja, sem intimidade, pois a demanda de tempo “impossibilita” uma maior interação entre as diferentes pessoas, principalmente entre as que possuem costumes diferentes. Essas adaptações geraram crises. Crise de autoridade devido a pluralização de pensamento da liderança o que gera também uma crise doutrinária, pois cada um ensina sua visão e não há homogeneidade alguma neste ensino. Com os novos conceitos oriundos da modernidade há uma crise moral, alguns valores morais aprendidos em casa caíram no esquecimento, não há uma negação do eu, não há a mortificação da carne, não há um esvaziamento de nós mesmos, o que há é uma crise de caráter em que não temos valores indiscutíveis e inegociáveis. No advento da modernidade há a difusão de um emocionalismo e não de uma religião racional, por isso há uma crise intelectual, muitos estão sendo iludidos por aproveitadores, verdadeiros mercadores da fé, pois nada sabem, nada conhecem sobre a palavra de Deus gerando outra crise, a de memorização bíblica. Essas pessoas que pouco ou nada sabem das Escrituras Sagradas são facilmente enganadas por esses lobos em pele de cordeiro que se intitulam pastores, bispos, apóstolos, presbíteros e outros. Estamos vivendo um tempo da cultura do mercado em detrimento a cultura cristã da graça. Na cultura da graça, recebemos algo sem merecer e somos gratos por isso, já na cultura do mercado, achamos que não recebemos tudo o que merecíamos, já que somos “fiéis” dizimistas e fazemos muitas boas obras e por isso de achamos merecedores de muitas bênçãos, essa é a ótica dessa nova cultura que quer exigir de Deus as bênçãos que julgam ser merecedores, essa é a crise da graça. Ainda temos a crise de plausibilidade, a de reverência e solenidade (devido a expansão do “informal”) e a crise comunitária em que não se há mais uma unidade do corpo, é cada um por si.
Tais crises são ainda mais acentuadas devido os meios de comunicação que, como já disse, são os principais responsáveis pela normalização, ou seja, pela difusão das regras do mundo moderno. Se por um lado a mídia abriu os olhos e a mente para um novo mundo que surgia e com isso quebraram-se alguns tabus, criminalizaram a escravidão, deu voz às classes marginalizadas como as mulheres, por outro lado com os conceitos de privatização muito difundidos pela mídia temos uma população egoísta e consumista. Além disso, com tudo relativizado fica difícil criar nossos filhos e ensinar o que é certo ou errado, pois na TV o “mocinho” faz de tudo pra ficar com a “mocinha” e inclusive mata, rouba e destrói propriedades e mesmo assim é tido como bom caráter e é isso que a mídia passa para nossas crianças e adolescentes e internaliza na mente deles.
Como solucionar essas crises do mundo moderno que afligem o homem? Não é voltando para a Cabo Verde provincial que resolveremos, não é voltando para o deserto que tudo vai se ajeitar, não é se isolando, como em um condomínio fechado, que a igreja vai solucionar seus problemas gerados por essas crises. Os problemas só podem ser resolvidos de maneira comunitária, ou seja, é para entrarmos na terra que Deus dá, mas guardando nossa bandeira, nossos ideais, mantendo a figura do bom estrangeiro, um verdadeiro embaixador de Cristo, um representante dEle em terra estranha. Para ser embaixador na modernidade é preciso reconciliar-se primeiro, olhar para dentro de nós, para nossos relacionamentos e ações. A Igreja só tem sentido quando está em meio às sombras, sendo luz, vivendo em comunidade, sendo bênção para esta, amando verdadeiramente cada cidadão, exalando solidariedade com muito calor humano, intimidade e aconchego. A Teologia da aliança, a Teologia do pão e do vinho propõe o serviço mútuo, ou seja, um servindo ao outro. Essa prática deveria ser aplicada em todos os segmentos, como na vida pessoal, profissional e eclesiástica. Essa é a missão da Igreja de Cristo, somos libertos para servir.

Rubem Amorese nesta excepcional obra literária conseguiu extrair e explanar os conceitos de modernidade e suas implicações de forma concisa e muito eloquente. Definiu bem os ramos ou pernas, como o próprio chamou, deste fenômeno que é a modernidade fazendo uma belíssima analogia ao texto bíblico que relata os momentos antes da entrada à terra prometida de Canaã e também com a criação da cidade fictícia de Cabo Verde, Amorese trouxe mais luz ao que queria passar, pois com essa exemplificação o seu texto tornou-se mais claro e objetivo. Este autor mostrou as crises do advento da modernidade, mas por fim disse que há possíveis soluções para que, assim como Deus orientou seu povo na entrada de Canaã, a Igreja viva neste novo contexto e usufrua o melhor desta terra sem perder sua identidade de povo de Deus. Icabode não é um livro atual em termos temporais, mas é atual no sentido contextual pelo fato de que tudo o que Rubem Amorese escreveu nesta obra literária é o que vivemos hoje, é a realidade de nossa comunidade, de nossos relacionamentos e de nossas vidas. 

#JuliusReformado

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